A Justiça de Mato Grosso decidiu remeter ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) a ação penal que investiga um suposto esquema de desvio de recursos públicos liderado pelo ex-governador Silval Barbosa e que já tem 11 réus, incluindo ex-secretários, empresários e militares. A determinação é do juiz Jean Garcia de Freitas Bezerra, da Sétima Vara Criminal de Cuiabá, com base em recente entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a manutenção do foro privilegiado mesmo após o fim do mandato.
O caso faz parte da quarta fase da Operação Sodoma, deflagrada pela Delegacia Fazendária de Mato Grosso (Defaz-MT), e aponta um rombo de R$ 8 milhões nos cofres estaduais. A denúncia foi originalmente recebida pela juíza Selma Arruda em abril de 2017, quando ela ainda atuava na vara criminal especializada em crimes contra a administração pública.
De acordo com a acusação, os crimes ocorreram entre outubro de 2011 e dezembro de 2014, período em que Silval Barbosa ocupava o cargo de governador do Estado. Os atos ilícitos envolvem fraudes em licitações, superfaturamento de contratos e pagamento de propina por meio de empresas contratadas pelo governo, como a Marmeleiro Auto Posto e a Saga Tecnologia e Informática. Essas empresas teriam sido utilizadas para operacionalizar o desvio de recursos públicos e para abastecer o sistema de pagamento de vantagens indevidas a membros da alta cúpula do governo.
Ainda segundo as investigações, a organização criminosa operava principalmente dentro da Secretaria de Estado de Administração (SAD) e da antiga Secretaria de Estado de Transportes e Pavimentação Urbana (SETPU) — hoje transformadas, respectivamente, em Seplag e Sinfra. Os nomes dos envolvidos sugerem uma teia complexa de articulações entre gestores públicos e empresários com o objetivo de simular a prestação de serviços ao Estado.
Foram denunciados no processo:
- Silval da Cunha Barbosa (ex-governador e delator),
- Sílvio Cézar Corrêa Araújo (ex-chefe de gabinete e delator),
- José de Jesus Nunes Cordeiro (coronel da PM),
- César Roberto Zílio (delator),
- Pedro Elias Domingos de Mello (delator),
- Francisco Anis Faiad,
- Valdísio Juliano Viriato (delator),
- Juliano Cézar Volpato (delator),
- Edézio Corrêa (delator),
- Alaor Alvelos Zeferino de Paula (delator),
- Diego Pereira Marconi (delator).
Apenas dois dos réus — Faiad e Cordeiro — não fecharam acordos de colaboração premiada. Os demais optaram por cooperar com a Justiça, detalhando os mecanismos do esquema em troca de benefícios penais.
Chamou atenção o nome do empresário Edézio Corrêa, que mesmo sendo delator na Sodoma, voltou a ser alvo da Polícia Civil em novembro de 2024, na Operação Gomorra. Na nova apuração, ele é suspeito de liderar um megainvestigado esquema de corrupção que teria movimentado R$ 1,8 bilhão em desvios através de contratos firmados com prefeituras e câmaras municipais do interior do estado.
O juiz Jean Garcia de Freitas Bezerra, ao justificar a remessa da ação ao STJ, afirmou que está aplicando a tese firmada pelo STF, segundo a qual crimes cometidos durante o exercício do cargo por detentores de mandato eletivo devem ser processados no tribunal competente à época dos fatos, mesmo que esses agentes já não estejam mais no exercício da função. Assim, por envolver supostos crimes praticados por Silval enquanto era governador, o foro competente é o Superior Tribunal de Justiça.
“No caso concreto, os delitos imputados ao réu Silval da Cunha Barbosa teriam sido supostamente cometidos durante o exercício do mandato de Governador do Estado de Mato Grosso e em razão das atribuições inerentes ao cargo. Desse modo, nos termos do hodierno entendimento firmado pelo STF, a competência para o julgamento da presente ação compete ao Superior Tribunal de Justiça”, registrou o juiz na decisão.
A partir de agora, caberá ao STJ analisar se assume a condução do processo ou se determina outra medida, como o desmembramento das ações envolvendo os réus sem prerrogativa de foro. O caso, um dos mais emblemáticos do período pós-governo Silval, reforça o impacto da delação premiada como instrumento de investigação, mas também reacende o debate sobre os limites e a eficácia das colaborações no combate à corrupção sistêmica.